segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Despedida


Era noite de domingo. Impossível esquecer. Caminhava pelos corredores vazios e escuros com os pés descalços e o rosto encharcado. Sentia na alma minha pequenez ao ver meu pai ali sem forças, sem vida e eu nada podia fazer.
Aquele alguém que outrora me ajudou em meus primeiros passos, que esteve ao meu lado em tantos momentos, que sabia me roubar um sorriso quando a dor era mais frequente. Aquele homem que foi meu exemplo, meu amigo. Carregava agora um semblante inexpressivo. Eu me vi abandonado, inconsolável.
Estava sem entender. Pedi a enfermeira papel e caneta e ensaiei algumas palavras, fiz uma prece silenciosa e aos poucos pus no papel o que sentia. Eram garranchos mal feitos, mas era minha oração. Ao terminar de escrever coloquei embaixo de uma imagem de Nossa Senhora. Eu, homem de pouca fé, não vi o milagre se cumprir nem a cura acontecer. No lugar onde o corpo busca saúde se fez minha prisão particular sem paredes e sem portas, mas capaz de me aprisionar por longos dias e noites. Aqui onde tantas vidas começam e outras se encerram...
Naquela noite não havia consolo nem conforto. A noite era escura também dentro de mim. Mas uma palavra conseguiu me alcançar e foi capaz de me religar ao universo da alma humana. Lembro da canção que dizia: “mais é claro que o sol vai voltar amanhã” e assim não me permiti ver minha queda como definitiva. As chaves do meu futuro talvez estivessem escondidas na memória das tuas lutas, nas tuas histórias simples...
Ainda ando driblando as dificuldades, buscando maneiras de viver melhor. Ainda enfrento inúmeros problemas do cotidiano. Mas do inverno fez-se primavera, e as chuvas que molharam fizeram florir.
É, realmente um dia a gente aprende. Hoje sigo com novos retalhos na velha colcha reaprendendo a ser sem ter você. A poesia me encontrou e hoje sei que a saudade eterniza a presença de quem se foi. E este coração mais humano que pulsa em mim foi você quem me deu!




*Conto finalista do I Festival Cultural do HUPAA

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